Deixa as pessoas serem felizes

Não é porque o mundo dá match que é preciso se pegar;
Também não significa se vai ou não acontecer

Sabe quando você conhece alguém e se identifica de cara? Assim, de supetão, é um troço meio raro de acontecer, pelo menos comigo. Não é aquela coisa de “ah, a pessoa é gente boa”. É tipo uma sintonia que leva a gargalhar até chorar por qualquer coisa besta. Vamos combinar que nesses tempos de pandemia e isolamento, especialmente nesse Brasilzão, tá difícil até para esboçar um sorriso…

Os dias vão passando. Os encontros se sucedem. Numa noite despretensiosa, flanam pela pista. Abraçados, aos giros, trançam passos, abraços e risos sem esforço. Até os mais assíduos crossfiteiros já estariam reclamando da atividade repetitiva. Não é para todos manter o pique noite adentro ao ritmo mais consagrado do sertão brasileiro.

As conexões aumentam e vocês já se veem enredados a uma turma que só cresce. Os seus contatos também se identificam ou já se conhecem. Sem combinar, se esbarram sempre e aí as afinidades outrora comentadas são experimentadas. Dias começam a ser quase inteiramente compartilhados. Uma conexão natural. Até os horários batem.

Os dois gostam da mesma atividade e passam a curtir o dia juntos desde a alvorada em encontros combinados sem cerimônias antes do boa noite. O mundo, ou ao menos aquela rede de conexões, observa eufórica: “E aí?”; “Nossa, dou match!”; “Ela é incrível, né?”; “Tá curtindo?”.

Estou supercurtindo, claro. E não preciso criar expectativa. Não preciso de mais nada. Acho que não precisamos. Diante da insistência, me sinto obrigado a pensar num “ao menos por ora”. Mas esse “por ora” só foi racionalizado pela pressão que veio de fora. Não precisava pensar nisso, né?

Só quero compartilhar os momentos como vem acontecendo. Tá ótimo!

Sigamos.

Olha ali: Rema, rema!

Carga ancestral

Como lidar com a luta interna para não repetir o comportamento dos antepassados?

Já faz um tempo que virou meio moda constelar. Uma prática que não domino e sequer investiguei, mas que analisa com uma técnica que parece misturar e confundir escritas best-sellers de autoajuda com teorias de mediunidade, também bem aceitas pelas massas – e pelas editoras. Enfim, fiz uma sessão e já rotulei assim. Em tempo: não tenho paciência pro tal gênero literário. Veio também os monólogos de reflexão disponíveis a rodo em formato de podcast, algo meio pandêmico, não só por ter se disseminado paralelamente ao Novo Corona Vírus.

O ponto nem é o que constelei, li ou ouvi. De fato, nem sei o que rolou ali comigo e a bem-intencionada terapeuta em uma sessão online. Não sei se posso chamá-la assim e desculpe se pensar isso é uma ofensa a ela ou a quem faz questão de classificar corretamente o título. Dos livros citados pouco absorvi ou lembro, diferentemente dos recentes discursos quase infindáveis de análise comportamental, mesmo que role uma identificação naquela falação com exemplos e casos reais com dúvidas e atitudes de pessoas que nem sei se existem.

Esse preâmbulo é pra deixar claro como é raso meu conhecimento em psicanálise, mas que agora me faz refletir sobre um ponto em comum, que também foi mencionado pela minha única psicanalista da vida, uma profissional esperta e que usa uma astuta técnica que não passa de 15 sessões. Achei mais eficiente que mudez do meu psiquiatra, do qual me dei alta antes do sexto ou sétimo encontro em um tempo já distante, na minha transição pra vida adulta.

 O tal ponto em comum é uma tal carga ancestral supostamente imposta em nosso destino. Nunca dei muita bola por acreditar que eu faço meu caminho baseado nos meus aprendizados e nas minhas convicções. Uma pista sobre isso? Um lamento revoltado pelo ambiente em que cresci: machista, homofóbico, racista. Parecia algo introjetado àquele núcleo familiar, enviesado por uma sociedade com as execráveis características. Sempre me incomodei e naturalmente me afastei. Jamais acreditei que isso esteja intrínsico a mim. Não está.

 Entretanto, a crença nessa carga e a luta por não repetir o comportamento dos seus – ou melhor, das suas – controla as atitudes de uma pessoa que me identifiquei demais e com a qual vislumbrei passar todos os dias restantes da minha vida até ficarmos velhinhos fazendo umas bruxarias em alguma horta isolada, tamanha a afinidade que demonstramos.

O empenho dela em evitar a repetição do comportamento das mulheres que a antecederam na árvore genealógica é muito real. E o medo de que eu seria mais um dos que desgraçaram a vida dessas mulheres a fez me evitar claramente e me jogou à tona num parafuso de pensamentos sobre o qual veio tanto aperto que espanei. Sim, como acontece com o objeto de fixação, tive a cabeça danificada por uso excessivo ou aplicação incorreta.

Agora estou aqui pensando que, sim, se isso for sistêmico, ela está mais do que certa.

Ela, a podcaster que ela me recomendou, a consteladora, os Shinyashikis da vida, a terapeuta… E eu tô fudido. Se não tiver rédea que evite isso e eu for fadado a repetir o comportamento dos meus ancestrais, eu tô acabado. E quem compartilhar a vida comigo estará numa pior.

Aquele ambiente que citei da minha infância atormenta. Penso nos meus antepassados e fico embrulhado, num misto de vergonha e revolta, algo que só piora quando começo a imaginar aqueles homens que nem conheci de uma genealogia putrificada. O machismo e a homofobia eu vi de perto, somado a um racismo velado típico do brasileiro, o que é também abominável. E quão mais desprezível é essa carga se formos mais a fundo?

Não consigo lidar ao pensar numa raiz que pode ter brotado das piores espécies de um Portugal colonizador ou de uma região do puro chorume da humanidade, concentrado ali entre o Norte da Itália e o Sul da Áustria.